Acabadas as obras de Belém, João de Castilho há-de ter-se demorado mais longamente no Convento de Cristo. Mas a sua orientação artística vai entrar decididamente nos caminhos novos da Renascença (1530-1 543)[1]:
A sua linguagem era sujeita a uma lenta metamorfose. Primeiro, como se viu nos Jerónimos, com a introdução de motivos decorativos (que se casavam bem com a tradição tardo-gótica «plateresca», que fundia o gosto decorativo «ao romano» com estruturas «ao moderno»), e, depois, com a adopção de «semas» arquitectónicos já francamente antiquizantes.
Em Tomar[2].
Do claustrim de Santa Bárbara à capela do cruzeiro (1533) seguimos a «descoberta do clássico», que culmina na «obra nova» (1546-1548) das três Salas do Noviciado, em que realiza genialmente o ideal da sala tetrástila vitruviana, e sobretudo na Ermida de Nossa Senhora da Conceição (1547), esse templo romano pousado numa colina de Tomar, com «o mais belo interior do mundo» segundo Watson, erguida para mausoléu de D. João III e sua família (Moreira, 198 lb).
João de Castilho prosseguia uma via de investigação e de quase autodidactisrno. Conheceria certamente o tratado de Diego de Sagredo, Medidas del Romano (Toledo, 1526, editado em Lisboa por três vezes, cm 1541 e 1542, o que diz bem da sua fortuna), e actualizava-se com outras aquisições de saber conceptual, como Vitrúvio — provavelmente através da edição de 1522.
A ele se ficaria a dever a drástica remodelação daquela que viria a ser uma das maiores construções monacais portuguesas: o Convento de Cristo, em Tomar, ampliado por D. João III após a reforma da ordem (promovida por frei António de Lisboa desde 1529). Aí constrói, a partir de 1533, uma formidável mole de edifícios, articulados entre si por uma planta em cruz de inspiração hospitalar. A utilização de caixotões de madeira no cruzeiro do edifício (ainda marcada, na ornamentação da abóbada de meio-canhão, por um simbolismo tardo-medieval, com heráldica e figurações de histórias espirituosas de contornos moralistas), os motivos ornamentais de carácter plateresco «ao romano», as abóbadas dos corredores dos claustros, combinados com alçados arquitravados e arcarias com colunas corintizantes no piso térreo, preludiam a sua definitiva opção pelo Alto Renascimento. O seu primeiro ensaio faz-se através da criação de uma zona de articulação do mosteiro, o insólito Claustro de Santa Bárbara, com as suas grossas colunas e arcos sarapanéis abatidos, documentando uma transição tecnológica sem precedentes (c. 1531), claustrim que escondia, praticamente entaipando...), a portentosa fachada do coro manuelino. Essa opção tomará uma forma definitiva cerca de 20 anos depois na zona do noviciado, onde, em três salas (1550-1551), Castilho ensaia outras tantas vezes a «sala tretrastila» vitruviana, inspirando-se na gravura que dela fez Cesariano. Na última destas salas desenvolve de maneira original esta mítica estrutura da Antiguidade, utilizando aí uma correcta planta centralizada, autonomizando neste projecto — e de uma forma absolutamente classicizante — as colunas. A consequência amadurecida desta escolha será a vizinha Igreja de Nossa Senhora da Conceição, destinada a panteão de D. João III (executada com Pêro de Angorreta, 1551), constituindo, também por si, o testamento estético e espiritual — de carácter agostiniano — do grande mestre, numa obra marcada pelo italianismo dos modelos funerários antiquizantes dos templos in antis e dos mausoléus romanos (Moreira, 1991, pp. 549-570)».
[1] Paulo Moreira in José Mattoso (dir.), História de Portugal, Círculo de Leitores, 1993, vol. III, p. 452[2] Op. cit., p. 453
Imagens pela ordem em que estão dispostas: a perfeição clássica num pormenor do Convento de Cristo; outro exemplo da marca clássica; Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Tomar.
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