Vamos agora até aos calores africanos de Mazagão. Está-se em 1542, e «a ascensão imparável do poderio dos xarifes no Sul de Marrocos, equipados com armamento cada vez mais actualizado e dispondo já de conselheiros militares italianos», obrigou a reforçar a defesa[1]:
Caída Santa Cruz do Cabo Gué e evacuadas Safim e Azamor, a alternativa que restava era a debandada total, ou a resistência numa praça tornada inexpugnável segundo os critérios mais modernos de fortificação. Foi esta a opção que vingou, e em que teve peso decisivo o infante D. Luís (secundado pelos desenhos de Francisco de Holanda) com a sua experiência da guerra mediterrânica e das fortalezas «a semelhança das que se fazem em Itália». Em menos de três meses o arquitecto Miguel de Arruda ia com Benedetto da Ravena, requisitado a Espanha, e com Diogo de Torralva ver o sítio de Mazagão e elaborar o projecto, e João de Castilho seguia de Tomar com 1500 (!) pedreiros para pô-lo imediatamente em execução, segundo «a traça desa fortaleza q fez Benedito», mas com inevitáveis pormenores da sua autoria. Menos de um ano depois concluía-se o baluarte sobre o mar, «hua das fortes e fermozas cousas que ha em Espanha», e a muralha ficava fechada, podendo Castilho gabar-se «deste tão homrado edeficio q he o milhor q se fez no mudo nê se achará ê Italya»... Tratava, então, de concluir a cisterna com o aqueduto que a abasteceria de água potável, tornando assim Mazagão «a mais homrada cousa q se vyo no mundo todo». Os factos não desmentem as palavras. A vila amuralhada de Mazagão - hoje uma atracção turística de Marrocos – constitui um dos exemplos mais surpreendentes e bem conservados da arquitectura militar do Renascimento, que resistiu bem ao teste do tempo: só seria abandonada em 1769, devido à falta de interesse do marquês de Pombal em a manter. Ao mesmo tempo teve o efeito de um choque em cadeia, levando à progressiva substituição das fortificações manuelinas na Índia (que por isso desapareceram) e à modernização e das da África, de Portugal e do Brasil, numa extensão simultânea que revela um plano maduramente reflectido.
Maravilhas de origem portuguesa no mundo
Conclusão
Há que dizê-lo sem rebuços: João de Castilho foi o maior arquitecto português do séc. XVI e um dos grandes da Europa do Renascimento. A solidez da sua iniciação profissional (Burgos e Sevilha com Simão de Colónia), o convívio com técnicos italianos (Mazagão), a sua inteligência do espaço, o bom gosto decorativo no talhe da pedra, uma insaciável busca de penetrar a lógica do sistema construtivo renascentista e, acima de tudo, o prodígio da capacidade de trabalho, numa acção titânica ao ponto de, já septuagenário, continuar a «amanhecer e anoitecer na obra», fizeram desta figura discreta – cujos filhos, brasonados e formados, seriam embaixadores, poetas, juizes e cronistas e o sobrinho D. Pedro de Castilho chegou a ser vice-rei de Portugal — o verdadeiro génio surgido no momento oportuno (que, de resto, soube colher). Qual novo Bramante, ele era «homem para construir o Mundo», como dele dizia em 1541 ao rei o capitão de Mazagão, no mais belo elogio que um arquitecto possa ouvir... [2]
Qual grande empresário moderno, João de Castilho geria em simultâneo várias empreitadas Era, como lhe chama alguém «um operoso construtor». Mas era, como se viu, muito mais do que isso.
[1] MOREIRA, Rafael (Dir.), História das Fortificações Portuguesas no Mundo, Alfa, Lisboa, 1989, pp.149 e ss.[2] História da Arte Portguesa, p. p. 347.
Senhor Professor Ferreira! No Convento dos Domingos fica o brasão de consruidor deste convento na coluna do pátio do mosteiro. Podia você saber quem é o proprietário do brasão? Muito obrigado.
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